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As Eleições que Vão Chatear o Camões

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"Foram convocadas eleições para o dia 9 de junho, uma notícia que, no máximo, vai chatear o Camões"

18.04.24 - 11h07
Jorge Botelho Moniz

Jorge Botelho Moniz


Estão aí as eleições europeias. Até há pouco o mundo mediático tinha sido capaz de resistir, mas, há dias, fomos atrozmente confrontados com uma notícia sobre as eleições para o Parlamento Europeu. Esta notícia, ímpar no espaço público nacional pela sua capacidade de falar sobre a UE, relatava que foram convocadas eleições, oficialmente, para o dia 9 de junho. Uma notícia que, no máximo, vai chatear o Camões.

Uma notícia europeia. Nas últimas semanas fui violentamente confrontado com uma notícia sobre as eleições europeias. Ao que parece, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, assinou o decreto que convoca oficialmente eleições para o Parlamento Europeu (PE), fixando o dia 9 de junho de 2024 como a data do certame. Pode parecer inócuo, mas esta notícia feriu a paz na qual eu e nós, todos, vivíamos. Abalou o contrato social tácito, definido coletivamente, em que só se fala de eleições na União Europeia como faits divers político ou como sondagem intercalar e fiabilíssima sobre a muito importante campanha eleitoral em curso. De facto, um mês e tal após as últimas eleições legislativas é fulcral que os eleitores e os eleitos se esclareçam mais uns aos outros, muito mais. Esperemos que as eleições europeias entendam o seu lugar.

E a fadiga eleitoral, pá? Embora não tenhamos sido atacados nas últimas, muitas, semanas, esta notícia veio atrapalhar ainda mais as nossas vidas. Tivemos, em Portugal, eleições legislativas a 10 de março e já temos outras a 9 de junho, um dia antes do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. Duas eleições em menos três meses? Calma! E nos Açores, eleições regionais em fevereiro, legislativas em março e europeias em junho. Três eleições em quatro meses, mas o que é isto? Ah, falta a Madeira, a recordista nacional. Pela região autónoma, houve eleições regionais em setembro de 2023 e legislativas também em março. Daqui a nada chegarão as eleições regionais antecipadas de 26 de maio e as tais europeias quinze dias depois. Quatro eleições em nove meses, deixem as pessoas sossegadas, por favor! Esperemos que as eleições europeias entendam que nos fadigam e enfadam.

“Mas as eleições europeias são tão importantes”. Dizem-nos sempre que as eleições para o PE, convocadas para o dia 9 de junho, segundo o tal decreto presidencial, são importantes. De acordo com o que já foi escrito neste jornal, uma percentagem esmagadora da legislação aprovada pelas instituições europeias – aquelas compostas por representantes da nação (Conselho da UE) e do povo (PE) – tem um impacto direto nos Estados-membros da UE, como Portugal. Compreendemos, mas calma. Não é como se houvesse alguma urgência real no nosso voto, recorde-se o nosso forte cansaço. Não é como se houvesse uma guerra na Europa que nos obrigasse a pensar em quem votar e quais as prioridades desses partidos para a União. Não há propriamente uma emergência climática que nos fizesse questionar se devemos passar de uma transição verde para uma industrial – com base militar.

Só faltava querem-nos imputar a responsabilidade de ajudar a desenhar um caminho para a forma como as migrações, a inflação e a injustiça social devem ser combatidas. Não nos digam que temos ainda de ser nós a combater os radicalismos ideológicos, os populismos e os laivos autoritários e impedi-los de entrar no PE, engrossando as fileiras dos eurocéticos, eurocríticos e eurofóbicos. Não é como se os países mais pobres da UE, incluindo o tal da Ocidental praia Lusitana, viessem a sofrer com um qualquer processo de desintegração. Esperemos que as eleições europeias percebam que é junho e que temos encontros marcados a priori com a praia e o campo e com a nossa loja favorita num shopping ou numa plataforma digital.

A Europa pode ir chatear o Camões. Após a minha (e espero que nossa!) exasperação com a notícia que dava conta de que temos eleições europeias convocadas presidencialmente para daqui a menos de dois meses, voltei a ler os cabeçalhos. Parece que estamos em paz, novamente. Enfim, em tranquilidade, discutimos logótipos, gémeas tratadas com Zolgensma, militarização da mancebia e sobre qual o conselho dos The Clash que Roger Schmidt deve aceitar. Encham-nos disto, por favor. Eu também tenho férias marcadas para o fim de semana anterior ao 10 de junho. Não me obriguem a pensar no futuro do continente no qual vivo e em gente que, sendo eleita, terá um impacto quotidiano direto em 80% da minha vida. Depois do meu fim de semana prolongado em Monte Gordo preocupo-me. Até lá, a Europa pode ir chatear o Camões.

Jorge Botelho Moniz - Diretor da Licenciatura em Estudos Europeus e Relações Internacionais na Universidade Lusófona

Fonte: Jornal Expresso

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