A cegueira de uma herança colonialista ou de uma visão arrogante não pode ofuscar o sentido inverso, que é o da abertura do mercado europeu
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

Jorge Bruno
No passado mês de dezembro, a União Europeia e o Mercado Comum do Sul (Mercosul) assinaram um acordo comercial que concretiza uma parceria estratégica entre duas partes do globo que se desenvolvem numa herança de relacionamento comum com vários séculos. Vinte anos de negociações culminam num momento importante para as economias envolvidas através de um aumento do potencial de internacionalização dos players comerciais de ambos os lados. E se este acordo for o momento inaugural de uma geopolítica europeia, adaptada aos desafios do que se antecipa como nova ordem mundial, então o momento é verdadeiramente histórico por promover uma nova dinâmica europeia. Só assim a Europa deixará de ser a velha senhora instalada num trono de história, com um simbolismo desgastado e sem qualquer importância.
O Mercosul é uma organização que junta Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. A Bolívia está em processo de adesão e a Venezuela está suspensa nos seus direitos e deveres, apesar de pertencer a este bloco. Os quatro países que atualmente compõem o Mercosul têm uma população total de aproximadamente 270 milhões. São todas estas pessoas que ficam mais próximas das empresas/marcas europeias. É um novo mercado que se torna mais acessível para a economia europeia. A poupança prevista de 4 mil milhões de euros/ano em taxas aduaneiras é um forte impulso para quem deseja entrar nestes mercados americanos e uma grande ajuda para quem já lá está.
É impossível não particularizar a presença neste bloco de uma economia como a do Brasil. É a maior da América Latina. No continente americano, apenas é ultrapassada pela economia dos Estados Unidos da América. Além disso, possui um conjunto de recursos naturais importantes e necessários na transição verde e digital.
Com este acordo entre a União Europeia e o Mercosul nasce a maior zona de comércio do mundo. A cegueira de uma herança colonialista ou de uma visão arrogante não pode ofuscar ou desprezar o sentido inverso, que é o da abertura do mercado europeu a empresas com origem nas economias do Mercosul. Esse é também um desafio para a Europa e que tem causado alguns protestos e desconfiança em relação ao acordo assinado, particularmente pelas autoridades e agricultores franceses. Com esta parceria, a Europa abre-se a latitudes estratégicas que têm em Portugal uma posição geográfica de privilégio para ser porta de acesso aos dois blocos. Através da estrutura e dinâmica que lhe confere a pertença à União Europeia, o nosso país pode destacar-se na concretização de nação atlântica com uma noção ainda mais europeísta sem virar costas ao mar. A dimensão costeira do país assume-se como um elemento preponderante numa política geoestratégica que urge concretizar pela Europa. Oxalá, nós portugueses, possamos estar à altura das oportunidades que se apresentam e, como europeus, saibamos criar dinâmicas estratégicas de resposta aos desafios atuais. São necessárias respostas às posições norte-americanas, particularmente às que se apresentam embrionárias de uma administração a tomar posse em breve, e às da China e Rússia. Acredita-se existirem vários instrumentos políticos capazes de o fazer sem recurso às armas. É preciso vontade.
Os acordos feitos entre blocos visam o entendimento mútuo num espaço de diferenças, particularmente económicas e culturais. Uma unificação entre países que se estruturam em entidades supranacionais que são símbolo de globalização ou, daquilo que os mais céticos chamam, internacionalização. A diminuição ou eliminação de barreiras alfandegárias, que se assemelham a fronteiras, são o contrário de uma postura de isolamento que por vezes se confunde com proteção. As fronteiras sempre conheceram espaço de escapatória para a ilegalidade, por vezes justificado numa fuga para a liberdade. O comércio tem o contrabando como espaço escapatório dessas fronteiras. Que o diga a nossa zona raiana. Nunca uma fronteira deixou de ter uma abertura de escapatória. Denis Diderot, filósofo e escritor francês do séc. XVIII, numa carta sobre o comércio de livros datada de 1763 escreveu: “Podereis pontilhar, prezado senhor, toda a extensão de vossas fronteiras com soldados, armá-los com baionetas para que rechacem quaisquer possíveis ameaças, mas estes livros, queirais perdoar-me a expressão, passarão pelo meio de suas pernas e, saltando por suas cabeças, saberão chegar até nós.”
O comércio, tantas vezes na base de acordos entre blocos e países, é sinónimo de aproximação entre povos e comunidades. Apenas se verificam trocas comerciais entre quem se entende e acorda. Esta característica que o comércio tem valida-se no contributo para aproximar nações e derrubar fronteiras. É uma República Mercantil Universal que se forma com a capacidade de unir as pessoas, criar comunidades económicas e fomentar o aparecimento de consumidores tão importantes para o dinamismo das economias e para a melhoria das condições de vida a cada um.
Uma palavra de apreço para o trabalho do Eurodeputado Hélder Sousa Silva, Presidente da Delegação União Europeia – Brasil, entidade promotora do relacionamento entre estas duas partes, que tanto relevo tem na dinâmica promovida pelo acordo União Europeia – Mercosul.
Jorge Bruno Ventura
Diretor da Licenciatura em Ciências da Comunicação – Escola de Comunicação, Arquitetura, Artes e Tecnologias da Informação da Universidade Lusófona - Centro Universitário de Lisboa.
Fonte: SOL