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Uma palmada por dia não sabes o bem que te fazia!

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O Texas permite que os funcionários das escolas batam nas crianças com objetos (réguas).

12.01.24 - 10h34
Ricardo Pinto

Ricardo Pinto


Código Educacional do Texas permite que os funcionários das escolas batam nas crianças com objetos (réguas) e utilizem “qualquer outra força física” para controlar as crianças, desde que seja em nome da disciplina.

Na sexta-feira, dia 17 de novembro de 2023, na crónica criminal da TVI, foi comentado o caso de uma madrasta que foi condenada por bater no enteado. Surgiu a discussão, nada consensual entre os comentadores, em torno de uma atitude favorável à dita “palmada” que deve ser dada às crianças nos primeiros anos de vida, uma vez estas não têm memória.

Quem não o faz, “vive num mundo não sei de onde”, foi referido. Vistas as coisas desta forma, parece que temos de aproveitar o benefício da evolução em ter-nos providenciado a oportunidade de dar umas palmadas a uma criança só porque ela não tem memória e, quem sabe, aproveitemos também para dar umas palmadas nas pessoas que têm amnésia ou demência, pois não terão memória de nada. Mas para além disso, faltou perguntar qual será o efeito nos irmãos mais velhos, que estarão a observar a mãe ou o pai a dar uma palmada ao bebé de 7 ou 8 meses, irmão mais novo. E ficou também por esclarecer até quando é que se pode dar palmadas, pois imagino que deva ser difícil deixar uma estratégia com um grau de eficácia tão grande. Ah! Parece que podemos continuar a usar a estratégia, mas a razão já não é a falta de memória.

É o princípio da proporcionalidade. Foi referido que, de acordo com a jurisprudência, um pai ou mãe não devem ser condenados por darem uma estalada a um adolescente que chegou a casa de madrugada, depois de estar desaparecido umas horas. Ou seja, vamos lá pensar pela lógica. Uma palmada é considerada na literatura científica como castigo corporal e pode ser definida como “o uso de força física com a intenção de fazer com que uma criança sinta dor, mas não lesão, com o propósito de corrigir ou controlar o comportamento da criança”. Este castigo corporal pode ser justificado pela proporcionalidade. Ou seja, moral da história, os pais daquele adolescente estão a ensinar-lhe que quando este tiver namorada, e se esta desaparecer por umas horas e chegar a casa de madrugada, a preocupação foi tal que uma boa “estalada” na cara vai ser a estratégia ideal para corrigir o seu comportamento. Se um dia a namorada terminar a relação, não me parece que uma estalada chegue, mas deixo à imaginação dos caros leitores.

Infelizmente ainda permanece a ideia de que uma “palmada no momento certo” é uma estratégia correta e eficaz, e é apenas usada como último recurso. Ironicamente, este último recurso pode ser o pior momento. Pode ser o momento em que os pais estejam irritados e ajam impulsivamente, aumentando a probabilidade de escalar para maltrato físico, tal como demonstra a literatura científica.

Esta é clara em demonstrar que os castigos corporais têm mais malefícios do que benefícios. Mas o mais irónico é o facto de que a grande parte da evidência surgiu a partir de estudos que envolveram grandes amostras representativas dos Estados Unidos, o único país, de todos os membros das Nações Unidas, que ainda não ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança, e onde o castigo corporal é considerado legal nas escolas de 18 estados. O Código Educacional do Texas permite que os funcionários das escolas batam nas crianças com objetos (réguas) e utilizem “qualquer outra força física” para controlar as crianças, desde que seja em nome da disciplina.

Em suma, alguns ainda acreditam que desde que seja aplicada em nome da disciplina, com o princípio da proporcionalidade, e que não haja memória, uma “palmada por dia não sabes o bem que te fazia!” A essas pessoas temos de dizer que a expressão de raiva dos pais pode dar origem à raiva dos filhos e que educar não é bater, é conter o comportamento inadequado, explicar e ensinar alternativas sem pôr em causa a relação.

Ricardo Pinto - Professor Universitário
Professor na Faculdade de Psicologia, Educação e Desporto da Universidade Lusófona - Centro Universitário Porto

Fonte: SOL

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